10 de dezembro de 2008

O céu estrelado de Goiás

DOCUMENTÁRIO DE FICÇÃO

A flor do Planalto que ascende ao estrelato.

De dentro do elevador já consigo ouvir os ecos da voz aveludada de Diana Krall. Bato à porta e sou recebido por uma figura arrumada demais para um encontro casual: vestido preto curto, sapatos pretos de salto e um cachecol vinho pendendo do pescoço. Os cabelos, habitualmente presos, estão soltos e úmidos, destoando do conjunto. É quase como se ela, confirmando os rumores de ser uma pessoa atrasada, tivesse saído do banho e se vestido às pressas quando cheguei. Apressada ou não, ela disfarça muito bem e me recebe com a simpatia dos tempos em que estudávamos juntos. Apesar de ser uma das mais cultuadas diretoras de cinema da nova geração, Vivyane Garbelini não perdeu a graça e simplicidade pueris.

Seu apartamento é simples. Fugindo do estereótipo do diretor de cinema afetado, cercado por obras de arte e peças de estilo renascentista, Vivyane vive em meio a móveis modernos e de linhas limpas. A cozinha americana quase integra-se à sala, separada somente por um balcão. A sala faz vezes de jantar e visita ao mesmo tempo: “Não preciso de duas salas, moro sozinha, uma só está mais do que bom”. Sentamos em frente ao aparador da televisão, em um sofá de couro preto, que divide o espaço com um pufe, também de couro preto. Os quadros nas paredes brancas são pôsteres de filmes clássicos. O apartamento de Vivyane não nega quem ela é nem o que faz.

Considerada por muitos herdeira do legado deixado por Fellini e Pasolini, as semelhanças da jovem cineasta com os mestres italianos vão além do nome (resista, leitor, à tentação de colocar Mussolini no mesmo saco): seus filmes resgataram o neo-realismo italiano, atualizaram-no e, apresentando personagens infinitamente mais complexas e reais, aproximam-se de outro grande antecessor, o espanhol Pedro Almodóvar. Depois de explodir no último Festival de Cannes e levar quatro prêmios (melhor atriz, melhor ator, melhor diretor e a disputada Palma de Ouro), seu último filme, “Lembranças de um Bororo”, desembarca na próxima sexta-feira em terras tupiniquins.

Até 2008, ano em que entrou na Faculdade Cásper Líbero e veio morar em São Paulo, Vivyane não pensava seriamente em fazer carreira no cinema. Tudo mudou com um curso de Direção de Arte na falecida Escola São Paulo, antigamente situada na respeitável rua Augusta. “A Vera Hamburguer [diretora de arte que ministrou o curso] fazia a gente enxergar a direção de arte de uma forma diferente, não como algo secundário, mas como algo que complementava a direção, o que acabou me levando a estudar os outros aspectos da realização de um filme.” O primeiro curta-metragem, ParImpar, veio ainda naquele ano, em colaboração com o amigo e conterrâneo João Dias Turchi. Apesar de ainda inexperiente, a direção do curta já revela traços de alguém que sabe o que está fazendo. “O ParImpar nasceu quase como uma brincadeira. Eu e o João pensávamos que entendíamos de cinema”. Em ParImpar, Ana encontra a agenda de Álvaro na sala de espera do psiquiatra. Ao descobrir que o paciente planeja cometer suicido em um determinado dia, ela telefona para ele e, através de assuntos sem sentido e uma conversa que não termina mais, faz com que ele perca a hora e desista do crime.

No último ano de faculdade, o trabalho de Vivyane sobre a obra de Ingmar Bergman chamou a atenção do diretor brasileiro Fernando Meirelles, que adotou a recém-formada jornalista como discípula. “Graças ao Fernando – o Meirelles, não você – que eu consegui começar direito.” Com um padrinho recentemente lançado ao status de queridinho dos estúdios de Hollywood, essa estrela do Planalto Central fez uma escalada meteórica. “Só acho triste ver tanta gente aí fora que tem talento e não consegue uma oportunidade dessas. E não só no cinema”. Sobre a terra-natal, Vivyane só fala com saudades: “Foi difícil vir de Goiânia pra cá. Lá eu tinha toda uma vida, aqui estava sozinha, pelo menos por um tempo”. Sobre os projetos futuros, como todo diretor que se preze, ela evita comentar. “Estou estudando um roteiro com o Gael [García Bernal] e a Penélope Cruz; eles se interessaram muito pelo projeto e estamos planejando algo”, conclui, com tal charme e simpatia impossíveis de contrariar.

4 de setembro de 2008

Confissões de uma barista perigosa


De grão em grão (de café) a barista enche o papo.

Equilibrando seu iphone e um copo de café, a barista chega esboçando seu constante sorriso de trás de seus grandes olhos castanhos. Mariana Senrra, a barista da Starbucks da Alameda Santos, que toma café frio desde criança, conta como é trabalhar na cafeteria que está roubando a cena paulistana e revela: mais nove lojas serão abertas ate o final de 2008, três delas nos arredores da loja 007, na mais paulista das avenidas.

Como você veio trabalhar na Starbucks?
A minha amiga Evelyn tinha visto no jornal um anúncio “venha trabalhar na Starbucks”. Como ela sabe que eu sou atrasada, me disse que a entrevista era até as dez da manhã (era até as cinco horas da tarde). Nós duas fizemos a primeira entrevista – com o Luiz e a Renata – e depois, conforme a pessoa ia passando, eles iam telefonando e chamando, então acabei passando por mais duas pessoas.
Depois nós fizemos um exame bem vergonhoso, cada um com o seu potinho. E foi horrível porque nós estávamos todos na mesma sala, olhando um para o outro e pensando “eu sei que você tem um potinho desse na sua mala”. Mas foi isso, foram três entrevistas. Mas que critério usaram, eu não sei. Afinal, eu estou aqui.

E na época você estava procurando alguma coisa ou foi por acaso?
Foi meio coincidência. Porque na época, eu e ela [Evelyn] estávamos procurando emprego e ela tinha conseguido na escola dela, porque a diretora tinha um filho que era gerente de uma cafeteria por aí, e a gente já tava garantida lá. Só que ela leu de última hora no jornal. Eu nem sabia que tinha Starbucks em São Paulo – pra você ver como eu sou ligada. Eu só sabia de nome, sabia o que era, mas nunca tinha vindo.

E você veio fazer entrevista para essa loja?
A entrevista era aqui, mas, na verdade, era pra loja da Faria Lima. Mas a Renata perguntou qual era a melhor pra mim e eu falei do começo ao fim “A Paulista é mais perto, a Paulista é mais perto”.

Como funciona a “hierarquia” da Starbucks?
No sentido de conhecimento você primeiro se forma como barista; depois você faz o coffee explorer, que é o iniciante, depois o specialist, que tem o pin mais bonitinho; e aí, por úiltimo, o coffee master - só quem tem avental preto é coffee master.

E a gente tem a impressão de que é normal extrapolar a relação com os clientes e o relacionamento não ficar só aqui, o cliente deixar de ser só cliente. É normal mesmo?
É. E pode, pode fazer isso. O que não pode é eu estar de avental no balcão batendo papo com você, no mínimo porque eu estou trabalhando. Mas eles inclusive incentivam que você faça amizade com os clientes. Não é nem pela idéia de “ah, ele é meu amigo, ele vai trazer mais dinheiro pra loja”; tudo bem, tem a idéia “ele é meu amigo, então ele vai contar pros amigos como foi bem atendido”, mas é sempre porque ele vai passar a experiência Starbucks.
Outro dia veio um cliente querendo comprar 25 expressos, em forma de vales, que ele queria distribuir na aula pros alunos, porque tudo o que está descrito no livro do Howard Schults [um dos criadores e gerente geral da Starbucks] ele sentiu aqui.

E a diferença entre os níveis de barista e coffee master é de conhecimento?
Só de conhecimento. De profissional, que ganhe mais, etc, são outros. São barista; coordenador, que quando chega vai definir o que cada um vai fazer durante o dia, cada posição que cada um tem e vai mexer com as cosias administrativas; acima do coordenador, tem o assistente de gerente, que tem bem mais responsabilidades – praticamente tudo o que o gerente faz, mas ele mais assiste mesmo o gerente; tem o gerente da loja, que é o manda-chuva da loja; acima do gerente, já são umas partes mais ausentes, são os gerentes de distrito, cada um com oito lojas.

E a rotina de vocês é meio fluente? Vocês nunca parecem estar sempre no mesmo lugar.
O intuito não é fazer uma fabriquinha, não dá pra ficar como no Tempos Modernos. Nunca tem exatamente uma posição fixa. A gente coloca sempre duas posições por dia, uma antes do intervalo uma depois e, de preferência, opostas. Por exemplo, se você está no bar quente de manhã, vou evitar de te colocar no frapuccino depois.

E os horários de vocês são meio flutuantes, né? Dá pra conciliar com alguma outra coisa, com faculdade, por exemplo?
A gente divide um pouco os períodos. Eu, de umas semanas pra cá, por exemplo, só tenho feito abertura. Uma vez por semana, mais ou menos que eu faço um horário que não é tão abertura.
Quando eu estava fazendo faculdade, dava tempo, porque eu precisava sair até as quatro, então eu podia entrar às seis, às sete ou às oito. Se você tiver um horário assim, só de manhã ou só à noite, dá pra conciliar.

1 de setembro de 2008

Desviando a atenção

Muito foi falado sobre o caso dos grampos telefônicos ilegais instalados nos aparelhos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Medidas sérias foram tomadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que decidiu afastar temporariamente nesta segunda-feira, 1º, toda a cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O caso é sério. A utilização desses dispositivos é uma atividade ilegal e, segundo o diretor-geral da Agência, Paulo Lacerda, a Abin não instala grampos.

O problema é o foco da história, voltado somente para a questão da instalação dos grampos. Nenhum veículo levantou suspeitas sobre o teor da conversa entre o presidente do STF, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

A transcrição de dois minutos do telefonema de 15 de julho mostra Demóstenes pedindo a Gilmar ajuda contra a decisão de um juiz de Roraima, que teria impedido uma testemunha de depor na CPI da Pedofilia, da qual é relator. No diálogo, Mendes agradece ao senador por ter criticado o pedido de impeachment do presidente do STF, feito por um grupo de promotores descontentes com habeas corpus concedido ao banqueiro Daniel Dantas.

Tal troca de favores parece, no mínimo, suspeita, principalmente quando um Senador da República pede para um juiz, na condição de presidente do Supremo Tribunal Federal, intervir na decisão de um colega de magistratura.
Das duas uma: ou a atenção foi muito habilmente desviada pelos envolvidos no proto-escândalo, enganando a todos, ou esse tipo de atividade se tornou tão comum no país que nem os membros da imprensa se sentem incomodados o bastante para criticar.

6 de maio de 2008

O Faxineiro
Parte II

Pedro Almodóvar – Penélope Cruz, com uma vassoura vermelha nas mãos, varre o chão de uma casa, em um vilarejo próximo a Madrid. Carmen Maura, na casa ao lado, segurando uma carne trêmula, entre viva e morta, tem um ataque de nervos... vermelho, claro.

Por Vivyane Garbelini

5 de maio de 2008

O Faxineiro

Swush, swush...


Depois de assitir ao "A Fonte da Donzela", comecei a me perguntar como Bergman contaria uma história do cotidiano, como, por exemplo, sobre um faxineiro varrendo um andar de um prédio genérico. E como eu tenho esse tempo livre para inutilidades, comecei a pensar como vários diretores fariam essa empreitada.

Woody Allen – Um faxineiro neurótico e com mania de perseguição(interpretado por Allen) trabalha em um prédio comercial durante o dia, quando faz suas investidas na secretária (interpretada por Scarlett Johansson) e toca clarinete em um clube de jazz durante a noite.

Igmar Bergman – O faxineiro (interpretado por Max Von Sydow) trabalha - filmado com uma fotografia em preto e branco - e declama para si mesmo:
- Pó. Sim, pó, todos seremos pó. Todos somos pó. A águia que levantou vôo, o peixe seco e solitário e o cão sarnento. Sim, pó. Depois larga a vassoura e vai jogar xadrez.

Luis Buñuel – Enquanto o faxineiro varre, alheio a tudo, uma vaca passa ao fundo arrastando dois pianos e um gato. O faxineiro, então, tira do bolso de suas calças uma escada, que usa para pegar uma caixa e libertar quinze macacos; os macacos cortam seu olho com uma navalha.

Tim Burton – Interpretado por Johnny Depp, o faxineiro trabalha e canta a trilha composta por Danny Elfman, sonhando com uma vida melhor.

Sergei Eisenstein – Cansado da exploração, o faxineiro discursa no Sindicato dos Faxineiros em cima de um caixote e convence seus colegas de profissão a lutarem contra a exploração capitalista usando suas vassouras.

Quentin Tarantino – O faxineiro tem seu trabalho interrompido por quinze homens armados com espadas, que invadem o prédio para vingar seu mestre. Ele luta com os quinze usando sua vassoura; e vence.

4 de maio de 2008

And Now for Something Completely Different
A man with three noses
Como não dar vexame em salas de concerto
Em quatro passos básicos

Cof cof!

1 – Não aplauda entre os movimentos de uma peça. As pausas têm razão para existir. Se não a tivessem, não existiriam, como em algumas peças do fim do romantismo (Rach 3, por exemplo).

2 – Tente não acompanhar o tema da peça batendo os pés. Também não vale tamborilando na cadeira, espremendo seu copinho de plástico ou usando sua voz de soprano. De instrumentos de som estranho já bastam aqueles coitados que ficam no fundo da orquestra.

3 – Resista à tentação de tossir entre os movimentos só para imitar os outros. Você não está no seu check-up mensal e, por mais que você queira, ninguém vai te dar a vez pra falar, mesmo.

4 – Lembre-se: dentro da sala também age a lei da gravidade. O programa que está no seu colo não vai flutuar no ar se escorregar da sua perna.

E lembre-se também: (não) dar vexame é uma arte, então (não) pare por aqui.