De dentro do elevador já consigo ouvir os ecos da voz aveludada de Diana Krall. Bato à porta e sou recebido por uma figura arrumada demais para um encontro casual: vestido preto curto, sapatos pretos de salto e um cachecol vinho pendendo do pescoço. Os cabelos, habitualmente presos, estão soltos e úmidos, destoando do conjunto. É quase como se ela, confirmando os rumores de ser uma pessoa atrasada, tivesse saído do banho e se vestido às pressas quando cheguei. Apressada ou não, ela disfarça muito bem e me recebe com a simpatia dos tempos em que estudávamos juntos. Apesar de ser uma das mais cultuadas diretoras de cinema da nova geração, Vivyane Garbelini não perdeu a graça e simplicidade pueris.
Seu apartamento é simples. Fugindo do estereótipo do diretor de cinema afetado, cercado por obras de arte e peças de estilo renascentista, Vivyane vive em meio a móveis modernos e de linhas limpas. A cozinha americana quase integra-se à sala, separada somente por um balcão. A sala faz vezes de jantar e visita ao mesmo tempo: “Não preciso de duas salas, moro sozinha, uma só está mais do que bom”. Sentamos em frente ao aparador da televisão, em um sofá de couro preto, que divide o espaço com um pufe, também de couro preto. Os quadros nas paredes brancas são pôsteres de filmes clássicos. O apartamento de Vivyane não nega quem ela é nem o que faz.
Considerada por muitos herdeira do legado deixado por Fellini e Pasolini, as semelhanças da jovem cineasta com os mestres italianos vão além do nome (resista, leitor, à tentação de colocar Mussolini no mesmo saco): seus filmes resgataram o neo-realismo italiano, atualizaram-no e, apresentando personagens infinitamente mais complexas e reais, aproximam-se de outro grande antecessor, o espanhol Pedro Almodóvar. Depois de explodir no último Festival de Cannes e levar quatro prêmios (melhor atriz, melhor ator, melhor diretor e a disputada Palma de Ouro), seu último filme, “Lembranças de um Bororo”, desembarca na próxima sexta-feira em terras tupiniquins.
Até 2008, ano em que entrou na Faculdade Cásper Líbero e veio morar em São Paulo, Vivyane não pensava seriamente em fazer carreira no cinema. Tudo mudou com um curso de Direção de Arte na falecida Escola São Paulo, antigamente situada na respeitável rua Augusta. “A Vera Hamburguer [diretora de arte que ministrou o curso] fazia a gente enxergar a direção de arte de uma forma diferente, não como algo secundário, mas como algo que complementava a direção, o que acabou me levando a estudar os outros aspectos da realização de um filme.” O primeiro curta-metragem, ParImpar, veio ainda naquele ano, em colaboração com o amigo e conterrâneo João Dias Turchi. Apesar de ainda inexperiente, a direção do curta já revela traços de alguém que sabe o que está fazendo. “O ParImpar nasceu quase como uma brincadeira. Eu e o João pensávamos que entendíamos de cinema”. Em ParImpar, Ana encontra a agenda de Álvaro na sala de espera do psiquiatra. Ao descobrir que o paciente planeja cometer suicido em um determinado dia, ela telefona para ele e, através de assuntos sem sentido e uma conversa que não termina mais, faz com que ele perca a hora e desista do crime.
No último ano de faculdade, o trabalho de Vivyane sobre a obra de Ingmar Bergman chamou a atenção do diretor brasileiro Fernando Meirelles, que adotou a recém-formada jornalista como discípula. “Graças ao Fernando – o Meirelles, não você – que eu consegui começar direito.” Com um padrinho recentemente lançado ao status de queridinho dos estúdios de Hollywood, essa estrela do Planalto Central fez uma escalada meteórica. “Só acho triste ver tanta gente aí fora que tem talento e não consegue uma oportunidade dessas. E não só no cinema”. Sobre a terra-natal, Vivyane só fala com saudades: “Foi difícil vir de Goiânia pra cá. Lá eu tinha toda uma vida, aqui estava sozinha, pelo menos por um tempo”. Sobre os projetos futuros, como todo diretor que se preze, ela evita comentar. “Estou estudando um roteiro com o Gael [García Bernal] e a Penélope Cruz; eles se interessaram muito pelo projeto e estamos planejando algo”, conclui, com tal charme e simpatia impossíveis de contrariar.
10 de dezembro de 2008
O céu estrelado de Goiás
DOCUMENTÁRIO DE FICÇÃO
A flor do Planalto que ascende ao estrelato.
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